Sunday, July 18, 2010

Correspondência

Velho Mata

Na quinta-feira o seu morgado tirou a carta. Na sexta já aterrorizou as ruas de Lisboa, sozinho ao volante. Ainda não andei ao lado dele mas consta que se desenrasca.

Parece – mas só parece – que vai longe aquele olhar receoso que ele lhe mandou de dentro do porta-bebés amarelo, quando lá enfiou o nariz para o espreitar, na primeira visita a sua casa. Ou quando estavam os dois sentados à beira da piscina na Bemposta, os pés dentro de água, o pai a consolá-lo dalgum desgostozito sem importância, a palavra suave e o braço por cima das costas.

Pois esse mesmo já acabou o liceu e para o ano encontrá-lo-á em Bordéus ou Bruxelas, metido nos canhenhos de anatomia. Talvez tenhamos doutor, um dia, quem sabe?

O perna-fina voltou ontem de três semanas num campo de férias na Pennsylvania. Anda naquela fase em que um tipo tem sempre razão, mesmo quando não tem. Ainda não auscultei, mas alimento a esperança que os américas lhe tenham instilado alguma daquela disciplina branca, anglo-saxónica e protestante lá deles, que mal não lhe fazia. Mas enfim, acho que o rapaz se fará, um dia destes, que algo de si tem.

Como vê, vou tentando cumprir a minha parte. Descanse, que não me esqueci do que lhe fiquei a dever.

De resto, deste que foi dar a sua volta, o mundo desmadrou-se um bocado. Lastimo dizer-lhe, mas as poucas acções da sua carteira (ainda não as vendemos) andam um bocado por baixo. As suas e as outras todas: deve ter levado consigo o bom karma todo deste planeta, que desde meados de 2008 têm sido só desgraças. Se perguntar ao Sócrates ele vai-lhe dizer que nunca estivemos tão bem, mas não acredite.

E do nosso Sporting, melhor não falarmos. Veja se põe aí uma cunha ao Grande Chefe para que ele atire com um raio que fulmine a direcção da SAD. Mas daqueles com pontaria, que não sobre nenhum. Ah! E já agora outro no Queiroz da selecção.

Quanto a mim, cá vou andando, cada dia com menos um dia que no dia anterior. Sinto-me naquela fase em que o mundo passa por mim sem grandes novidades. Como o pai dizia muitas vezes, citando o Churchill: “não será o princípio do fim, mas é certamente o fim do princípio”.

Desculpar-me-á por ter estado tanto tempo sem aqui vir. Eu sei que desculpa. Sempre desculpou, até o que não devia. Prometo voltar mais vezes. Promessa fácil: sei que se falhar, perdoará outra vez.

Não lhe envio lembranças porque todos nos lembramos, todos os dias.

Inté

C